Saudade, cansaço, aprendizado, fim da jornada… Malas prontas!

Quase 15 dias fora de casa, parando de cidade em cidade, e de vila em vila, o corpo já dá claros sinais de cansaço. O emocional também, pois aperta a saudade da esposa, dos filhos e dos animais de casa.

Chegou a hora de voltar. Hoje à noite seguiremos para Manaus, e depois de lá eu vou para São Paulo. Na memória eu levo imagens de uma região incrivelmente bonita, de um povo gentil e hospitaleiro e espero ter ajudado de alguma forma as famílias e principalmente os animais que passaram pelas nossas mãos.

Para ser melhor, o projeto precisaria ter deixado veterinários capacitados a continuar nosso trabalho, e nos preparamos para isso, mas eles ainda não existem por aqui. Quem sabe mais pra frente.

Obrigado de coração a você que acompanhou nossa viagem e torceu conosco. Nós ficamos muito felizes por isso.

Fica minha torcida para que a Amazônia conhecida como pulmão do mundo, não passe a ser o curral do mundo.

Veterinário Wilson Grassi

 

Nossa equipe:

    

Vera e Fabíola – Estudantes do quinto ano de Medicina Veterinária em Manaus. Fizeram o serviço pesado. Curativos, medicações e arrumações.

Dra Rosangela Ribeiro – Gerente de Projetos Veterinários da WSPA, realizou as anestesias e coordenou toda a viagem.

Veterinário Wilson Grassi – Realizou as cirurgias e nas horas de folga foi cronista da viagem.

 

Curiosidades:

 

A cidade de Faro tem uma pizzaria, mas não adianta você chegar e pedir uma pizza na hora. Ela precisa ser encomendada com pelo menos 3 dias de antecedência. Provavelmente o pizzaiolo pegará um barco e sairá à procura dos ingredientes.

No posto de saúde do Maracanã, as picadas de cobra ocupam o quarto lugar nas ocorrências mais comuns. Perdem para diarréias, gripes e ferroadas de arraia. Inclusive, no dia do nosso mutirão, um rapaz foi atendido no posto, na sala ao lado da qual operávamos, após pisar numa arraia dentro do rio.

   

Carregamos 150 quilos de bagagens, entre equipamentos, medicamentos e instrumentos cirúrgicos. Primeiro em avião grande, depois em avião pequeno, depois em barco grande, depois em rabeta (um tipo de canoa) e depois em triciclos (bicicletas/ bagageiros). Na volta é tudo ao contrário.

 

Os triciclos são os transportes de cargas mais comuns por aqui, inclusive para transportar animais, como nesta foto.

 

AGRADECIMENTOS

Elizabeth Mcgregor, Gerente Nacional de Desenvolvimento da WSPA,  pela confiança em mim.

Rosangela Ribeiro, Gerente de Projetos Veterinários da WSPA, pelo convite para compor sua equipe como cirurgião.

Angela “Sempre Ela” Caruso, ela sabe porque.

Vereador Roberto Tripoli, ele também sabe.

Minha esposa Gislaine e meus filhos Pedro e Vinícius, pela compreensão com minha ausência de 15 dias longe de casa. Eu amo vocês.

A Deus, por criar uma região tão maravilhosa como a Amazônia e a ter deixado no Brasil.

 

Mais fotos da nossa jornada

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Atenção: “O Veterinário Wilson Grassi está a convite da WSPA como cirurgião. Seus relatos retratam opinião pessoal sua e não são necessariamente endossadas pela entidade, sendo assim estes textos de sua inteira responsabilidade”

Último mutirão em Parintins

Hoje fizemos nosso terceiro dia seguido de mutirão aqui em Parintins. Tudo correu bem. O fato mais marcante aconteceu ontem, quando chegou até nós um cadela que estava em trabalho de parto há 5 dias. A dona não tinha para onde correr, pois para todos que perguntei, realmente não tem nenhum veterinário especializado em cães e gatos em nenhuma das cidades pelas quais passamos. Como disse antes, veterinário por aqui é sinônimo de funcionário público da vigilância sanitária. Logicamente operamos a cachorrinha, que já passa muito bem e se alimenta normalmente. Depois fiquei pensando, que sorte ela teve em ter um parto complicado justamente na passagem anual da WSPA pela região.

Atenção: “O Veterinário Wilson Grassi está a convite da WSPA como cirurgião. Seus relatos retratam opinião pessoal sua e não são necessariamente endossadas pela entidade, sendo assim estes textos de sua inteira responsabilidade”

A Lenda do Boi Bumbá

Conta-se que há muito tempo atrás, no sertão nordestino havia um fazendeiro muito rico, com muitas cabeças de gado, tantas mesmo, que não dava nem para contar. Mas dentre todos os bois, um lhe era especial, pois era o mais bonito e sabia dançar, para alegrar as pessoas.

O Fazendeiro precisou viajar a negócios e deixou seu funcionário, chamado Pai Chico, encarregado de cuidar do boi, para que nada lhe acontecesse.

Pai Chico era casado com Catirina, que estava grávida. No meio da noite Catirina acordou Pai Chico dizendo que estava com um desejo. Queria comer língua de boi. Mas não de um boi qualquer. Queria a língua do boi preferido do fazendeiro. Se Pai Chico não resolvesse isso, ela poderia até perder o filho.

Pai Chico matutou várias horas sem saber o que fazer. Tantos bois, e ela queria aquele. Ou ele poria a vida do seu filho em risco, ou a sua própria, quando o fazendeiro voltasse de viagem. Pai Chico se decidiu pela esposa e pelo filho. Levou o boi preferido para o mato e o matou. Cortou a língua e a deu para sua esposa, que a cozinhou e comeu até se lambuzar.

A esposa, depois. foi dormir e Pai Chico fugiu para a mata, para se esconder. O fazendeiro voltou e deu falta do boi e do funcionário. Mandou os capatazes a sua procura, que não o encontraram. Pai Chico se escondeu tão bem que só foi encontrado pelos índios, que conheciam bem a mata. Foi então que os índios chamaram um Pagé para resolver a questão. O Pagé realizou um ritual de 3 dias e 3 noites, ao final das quais ressucitou o boi, com uma língua nova e tudo.

O Fazendeiro já sem esperanças, ao encontrar seu boi preferido vivo, ficou tão feliz, que deu uma grande festa, com fogueira, sanfoneiros e supõe-se que até mandou matar um boi para dar de comer ao povo. Pai Chico foi perdoado e seu filho cresceu forte e saudável, e cuidou do boi preferido, que sabia dançar, por toda a sua vida.

Esta é uma lenda de origem nordestina, mas que hoje motiva todas as festas de boi bumba da Amazônia, como o festival que acontece aqui em Parintins, todos os anos. A ocupação ostensiva da Amazônia começou na década de 70. Os militares tinham verdadeira paranóia de perder a região para os americanos, no que não estavam totalmente errados. Incentivaram a migração de brasileiros de outras regiões, e vieram principalmente nordestinos, que trouxeram bois e lendas.

Atenção: “O Veterinário Wilson Grassi está a convite da WSPA como cirurgião. Seus relatos retratam opinião pessoal sua e não são necessariamente endossadas pela entidade, sendo assim estes textos de sua inteira responsabilidade”

Mutirão em Parintins

Parintins é uma cidade grande para os padrões da região. Segundo o censo, tem 100 mil habitantes e seria a segunda maior cidade do Estado do Amazonas. Segundo a Prefeitura, 11 mil cães vivem nesta ilha, que parece ser a porta de entrada para as cidades que fazem a fronteira entre o Amazonas e o Pará. Parintins é o centro de 120 comunidades que exploram a pecuária e tem um matadouro que abate 300 animais por semana e joga os dejetos deste serviço em uma lagoa, que além de contaminar as águas, impregna o ar dos que moram próximos a ela. A Prefeitura estuda as medidas cabíveis para resolver a questão.

Falando em Prefeitura, ela apoiou bastante nosso serviço. Pediu o máximo possível de vagas para castração, cedeu o centro de exposições agropecuárias para nosso trabalho, deu equipe de agentes de Saúde e alimentação para quem estava trabalhando no mutirão. A sala usada para as cirurgias possuía inclusive ar condicionado e ajudaram com alguns medicamentos e material de consumo. Foi um apoio importante.

Tive também a oportunidade de conhecer o CCZ, que não tinha nenhum cão. Me informaram que fazem sim recolhimento de cães, mas que são todos doados as comunidades do interior, inclusive com termos de adoção. Bom, eu achei isso muito bom para ser verdade, mas não tenho nenhuma informação em contrário.

Parintins é conhecida nacionalmente pela festa do bumba-bumbá, que é uma disputa entre os que torcem pelo boi Caprichoso contra o boi Garantido, e existe um estádio, chamado bumbódromo, onde acontece o evento no mês de junho, que atrai turistas do Brasil todo e de outros países.

Fotos:

Taxi dog chegando

Taxi dog saindo

O mutirão aconteceu no centro de exposições agropecuárias

Guarda responsável

Praticamente todos os animais vieram ou de bicicleta, ou de moto, ou

em triciclos, como este, que são os meios de transporte terrestre mais comuns por aqui

Casa cheia. A população compareceu em peso

 

Mais Fotos

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Subindo o rio

Havia chegado a hora de partirmos de Nhamundá rumo a Parintins, mas uma situação nos deixava incomodados. Um cãozinho que só encontrávamos vagando à noite, com uma lesão nos olhos. Na rua, sempre escura, não conseguíamos um diagnóstico preciso, e o pior, não encontrávamos o responsável por ele. Pelas informações ele tinha um dono, mas ficava pelas ruas como quase todos os outros cães daqui.

Saímos da pousada às 4h da manhã, carregamos as malas em um triciclo e comentei com alguns membros da equipe se estavam vendo o cachorrinho. Logo ele foi localizado e por uma grande coincidência nosso carregador de malas era seu dono. Disse que ele está assim há mais de ano, e que nunca tratou, pois na região não tem veterinário. E não tem mesmo. Nas várias localidades que passamos o único veterinário que encontramos se dedicava mais a inspeção sanitária de um abatedouro.

Voltando ao cachorrinho do olho, descobrimos que se chama Marrone, e o Sr Arraia, seu dono, se comprometeu a medicá-lo conforme nossas orientações. Como são medicamentos específicos que não temos, enviaremos pelo correio nos próximos dias.

Nosso barco para subir o rio foi uma lancha rápida, como é chamada por aqui. Uma embarcação para 12 pessoas. O Capitão, de descendência indígena colocou seus óculos Ray Ban, acelerou os motores, ligou um cd da Roberta Miranda no último volume, singrou primeiro pelos pequenos rios afluentes até cair no grande Amazonas, que nos trouxe direto até Parintins. Amanhã é dia de mutirão, alias 3 dias seguidos. Mandarei notícias.

Fotos:

Marrone, enfim localizamos seu responsável

4h da manhã prontos para partir

Amanhecer no rio

Hora do banho

Há muitos caminhos pelos paranás, como são chamados os pequenos rios. O capitão precisa conhecer bem os caminhos e os pontos onde há risco de encalhar.

Praia imprópria para banhos

Tô atrasado

Até aqui tem cachorro?

Cadê a floresta? O gado comeu!

Cadê o gado? O homem comeu!

Nosso Capitão, atento aos caminhos pelos rios

Imensidão do rio Amazonas

Em alguns trechos não se enxerga o outro lado do rio, tamanha sua largura

Barco curral – Balsa transportando gado para o abate

Chegada a Parintins, vista da portoviária

Mais fotos:

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Nhamundá

A cidade de Nhamundá é a mais próspera da região. Tem um centro urbano de umas 20 quadras, com todas as ruas asfaltadas e calçadas bem cuidadas. Incontáveis mercadinhos, que vendem de roupa a antibiótico, passando por comida e chinelos. Tem inclusive um Bradesco aqui. O comércio é intenso, pois a cidade tem 63 distritos afastados, aos quais só se chega de barco.

Nestes distritos moram de dezenas a centenas de pessoas em cada um, que vivem em função da pecuária e de alguma lavoura de subsistência. Segundo informações, a região já tem dezenas de milhares de cabeças de gado e o governo empresta dinheiro fácil e barato para quem quiser entrar neste ramo.

Quanto ao nosso mutirão de castração por aqui, a Prefeitura não nos deu a menor bola. Disse que estava tudo certo, mas na verdade não estava nada certo. Só com muita insistência da Dra. Rosangela Ribeiro, que coordena nossa equipe, nos cederam a sede da banda municipal, para realizar nosso trabalho, e nada mais.

Mesmo assim não desanimamos. A Rosangela conseguiu também que a rádio da cidade anunciasse o projeto e as pessoas compareceram.

Amanhã pegamos uma lancha às cinco horas da manhã e subiremos o rio por quatro ou cinco horas até Parintins. De lá mando notícias.

Fotos

Tem gente ai no cio

Cochilo na calçada

População chegou cedo e a prefeitura atrasou 1 hora para abrir os portões

Parece que os gatos são maioria por aqui

Dentre os gatos, há muitos rajadinhos como este aqui

Nossa recepção

Mesmo sem muito apoio do Poder Público da região, nossa equipe não desistiu e recrutou os responsáveis pelos animais para ajudar. Devido à pouca estrutura do local, achamos por bem evitar operar as cadelas, e nos concentramos nos gatos, gatas, cães machos e apenas cadelas filhotes.

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Maracanã

Faro por si só já é tão tão distante em relação ao sul e sob certos aspectos desassistida, porém tem um distrito, que em relação a ela mesma é tão tão distante e desassistido, que quando os moradores deste distrito chamado Maracanã precisam de alguma coisa, vêem até Faro. Como onde tem desassistência tem cachorro, resolvemos de última hora seguir para este distrito e fazer um mutirão por lá.

Em épocas de cheia, o Maracanã só pode ser acessado por rio, porém como ainda não estamos na cheia, resolvemos ir de carro, pela estrada aberta há dois anos.

No Maracanã, 100% das casas são de madeira, porém tem um posto de Saúde bem planejado e amplo. O prefeito daqui tem sido muito gentil conosco. Emprestou o carro e abriu as portas dos postos de Saúde para nosso trabalho.

Fotos

Quase todos os gatos que vi por aqui ou são rajados

ou pretos

ou pretos e brancos

Carro e motorista do prefeito levou nossa equipe. Usei um bom argumento para sentar lá na frente. Como era o único que operava, se caísse na estrada não haveria mutirão. Parece que aceitaram.

A transformação da floresta amazônica em área de pecuária segue o seguinte roteiro:

Primeiro abre-se um estrada rasgando a mata virgem.

Depois há uma corrida para colocar cercas e comprovar a posse, muitas vezes questionável

Depois queima-se o terreno e cortam-se as árvores

Por fim trazem o gado.

Por aqui 100% das casas são de madeira

Mas com vista que não tem preço

Meninas da vila

Meninos da vila (vida simples, mas pessoas saudáveis)

Nossa recepção

Atitude moderna do prefeito, que entende que controle populacional de cães e gatos é ação de saúde pública e cede os equipamentos municipais

Apreensão, será que vai demorar?

População sem preconceito castrou vários cães machos também.

Esperando a cheia do rio.

Fundo do Maracanã. Sem comentários.

Missão cumprida

Mais Fotos

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Dia de Folga

Depois de dois dias de mutirão na cidade de Faro tivemos um dia de folga, que não é exatamente um dia de folga. Foi dedicado a organização do nosso material, montagem dos kits, esterilização, inventário dos medicamentos, etc. Também atravessamos o rio até a cidade de Nhamundá para ver detalhes da organização de mutirão lá, nos próximos dias.

Aproveito minhas conversas com as pessoas para fazer um levantamento informal de como a economia funciona por aqui. Me arrisco a dizer que 30% das pessoas economicamente ativas são funcionários públicos, como os agentes de Saúde, 30% vivem do bolsa família, 20% devem ser aposentados, 10% tem um mercadinho e os outros 10% trabalham nos mercadinhos.

A cidade não tem rede de esgoto, metade das casas são de madeiras e não existe chuveiro elétrico por aqui, mas tem uma natureza espetacular, como você pode ver nas fotos.

Fotos:

Posto de combustível

Marinha patrulhando os rios da região

Entardecer em Faro

Futebol na beira do rio

O que mais se vê por aqui: motos, cães, urubus e barcos

 

Mais Fotos

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2º dia

Faro é uma cidade pequena. É a primeira cidade do Estado do Pará, para quem vem de barco, descendo o rio. Casas simples, muitos cachorros na rua e uma vista deslumbrante do rio Nhamundá, afluente do Rio Negro. Quem organizou o mutirão daqui, foi a Antonela, enfermeira, numa cidade onde os enfermeiros fazem de tudo, pois o médico só vem uma vez por semana e olhe lá.

Muitos cães pelas ruas

e nas praias fluviais

boa parte deve ser semi-domiciliada

Trouxemos de São Paulo cerca de 150 kg de bagagens, entre medicamentos, equipamentos e instrumentos e decidimos por conta do peso e do excesso de bagagem que as bolsas de soro que usaríamos seriam compradas no Amazonas, pois as caixas são muito pesadas. Porém em Parintins, nossa primeira parada, percorremos várias farmácias e não encontramos nada de soro para comprar.

Eu comecei a ficar preocupado, pois carregamos cateters, equipos, autoclave, oximetro, laringoscópio e outros equipamentos e não teria cabimento operar sem manter os animais com uma fluidoterapia endovenosa durante a cirurgia. A enfermeira Antonela tentou me tranquilizar dizendo que não me preocupasse, que em Faro eu encontraria soro para vender. Ai que me preocupei mesmo, pois se em Parintins, com 60 mil habitantes não havia soro para vender, ainda mais em Faro, com 6 mil pessoas, uma cidade bem pequena.

Chegando aqui ela nos levou a um mercadinho, que vendia chinelos, roupas, bolachas e medicamentos, tudo sobre o mesmo teto. Para mim era óbvio que não teria soro e eu não iria operar deste jeito. A Rosangela Ribeiro mesmo assim entrou no estabelecimento e perguntou:

– A Senhora vende soro?

Ao que a vendedora respondeu:

– A Senhora quer ringer, fisiológico ou glicosado?

Ficamos surpresos com a resposta e compramos o estoque todo da loja e encomendamos mais para o dia seguinte. Depois, curioso, fui perguntar por que ela tinha soro em estoque.

– Olha moço, eu primeiro vejo o que esta faltando no posto de saúde da cidade. Ai eu compro. As pessoas doentes compram os remédios aqui e levam para o posto para serem medicadas, porque geralmente lá não tem nada.

Entendi e torci para ninguém precisar de soro hoje, pois acabamos com o estoque dela.

Natureza exuberante

Enorme potencial turístico inexplorado. Só pensam em criar boi

Parece que o motivo da pindaíba da município é que no censo retrasado o prefeito deu um jeito de inflar artificialmente a população, e registrou 16 mil habitantes, para conseguir mais verbas federais. Agora o novo senso mostrou que na verdade tem dez mil pessoas a menos, e as verbas caíram pela metade e então falta dinheiro para tudo, inclusive para por soro no posto de saúde. O povo agora está em campanha para dividir o Pará, criando os Estados de Tapajós e Carajás. Faz sentido, pois numa região onde só se viaja de barco, um cidadão leva 7 dias de viagem para ir de Faro até Belém, a capital do Estado. Penso que dificilmente vão, e mais difícil ainda deve ser aparecer por aqui o governador do Estado.

Do lado de cá do rio, é Pará, do lado de lá, Amazonas

Na reunião preparatória do dia anterior, a Antonela disse estar feliz porque haviam 20 agentes de saúde voluntários para nos ajudar. Eu sugeri que ela dispensasse 19 e ficasse só com um. Penso que equipes menores funcionam melhor e diminui o tumulto no trabalho. Porém ela e a Rosangela insistiram em manter os 20 ajudantes e gentilmente me disseram que cuidasse da minha parte, que era operar e deixasse o resto com elas. Depois que o dia acabou vi que elas estavam certas, as pessoas trabalharam empolgadas e foi praticamente um evento social para elas. Talvez não aconteça muita coisa diferente por aqui.

Sala de cirurgia improvisada no posto de saúde local

O mutirão de hoje correu bem. Nenhuma intercorrência e um entrosamento nota 7, o que é muito bom, para a primeira vez que trabalhamos juntos.

Dra Rosangela Ribeiro responsável pelas anestesias

Criança moradora local e seu cão

No final do dia chegou uma senhora com um leitão, com uma hérnia umbilical enorme, pedindo ajuda para operarmos o porquinho. Ela prometeu que se operamos não vai comê-lo. Tomará que cumpra com a palavra. Marcamos para amanhã.

A internet aqui é difícil, mas tentarei mandar mais notícias do Projeto Arca Amazonica, da WSPA, aqui nas cidades que margeiam o Rio Amazonas, na divisa entre o Amazonas e o Pará.

Mais fotos:

Agentes de saúde voluntárias, cuidando do pós cirúrgico

Legislativo local

Nosso público alvo

kits preparados para esterilização em autoclave

Parte da equipe local

Toda turma, inclusive o Curumim, porquinho junto a Dra Rosangela Ribeiro

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1º Dia

Ufa, enfim chegamos. Foram quase dois dias só para chegar à cidade onde faremos o primeiro mutirão de castração do projeto neste ano.

Saímos de São Paulo de avião até Manaus, cerca de 4 horas. Aguardamos então nosso próximo vôo, que só saiu à noite, para Parintins, cidade do Bumba Bumbá.  Dormimos em Parintins e de Parintins só se sai voando ou navegando. Literalmente não há estradas na região. Nós saímos de barco e descemos o Rio Amazonas até atravessar a divisa com o Pará e paramos na cidade de Faro. Ainda não sei o porquê deste nome, mas vou descobrir. Já vi que tem bastante cachorro solto nas margens do rio.

Este Pirata foi o primeiro que vi em Parintins. Por ser pirata só podia morar no porto.

Fomos recebidos pela enfermeira e protetora de animais Antonela, que junto com os agentes de saúde da região solicitou a WSPA um mutirão de castração. Segundo Antonela, como este já será o terceiro ano seguido com este tipo de ação, já tem bem menos cães e gatos sem dono na cidade.

Amanhã cedo começamos o trabalho. Será a primeira vez que opero com a Rosangela Ribeiro, da WSPA, que comanda nossa viagem e será a anestesista. Fizemos uma reunião para acertar os ponteiros, pois teremos também a ajuda de duas estudantes de veterinária que vieram de barco de Manaus para nos ajudar.

Na Amazônia não se vai a lugar nenhum sem pegar um barco. É como se fosse uma rodoviária. Você compra os bilhetes no guichê e embarca ali mesmo.

A viagem de barco foi bastante interessante e pude ver áreas de floresta ainda intactas e outras áreas já transformadas em pasto.

Espero que gostem das fotos.

Amanhã dou mais notícias.

Mais fotos:

Ainda existem áreas de floresta como esta

E esta

Porém do trecho que eu vi até agora 50% virou pasto, como esta foto mostra

O rio realmente é gigante, parece que estamos no mar

Reunião de pássaros para discutir o meio ambiente

A vida das pessoas é totalmente em função dos rios

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